XVII – Domingo do Tempo Comum
27-07-2024Comemorações do Centenário da Tuna Musical de Anta – Paróquia de Gueifães
01-08-2024Quando sobrevoo uma cidade grande como Paris, Londres ou Lisboa, vem-me quase sempre esta pergunta: quantos bois serão abatidos cada dia, quantos milhares de peixes serão pescados, quantos milhões de pães serão cozidos, para abastecer uma cidade como esta? E depois, quantas casas, quantas escolas, quantos sapatos, quantas escovas de dentes…e por aí adiante.
Teoricamente é fácil: as gotas de suor de toda esta gente somarão um superavit, de tal forma que ninguém precisa pedir esmola para o essencial.
Encontro um homem da terra, de Santa Bárbara do Monte. Tem duas filhas para casar e anda aflito à procura de padrinhos. Não há casas nem trabalho. Ele baptizou os filhos às escondidas e fora da terra, porque não tinha dinheiro para um almoço. Trabalhava ainda de sol o sol em terras que lhe não pertenciam. Conta-me tudo com alguma paixão. «Este rapaz – futuro genro – não quer a terra, prefere andar a juntar papéis na cidade, como varredor».
Sigo a pessoa que ele aponta. Vinte e poucos anos, tipo Tarzan. Está a ouvir tudo. Calado até aqui, entra em cena com vigor: «Eu? O melhor dos meus braços já, deixei na terra de sol o sol. E nem um cantinho me emprestaram para umas couves. Não caio mais nessa. Eu era como um cachorro – João vai aqui, João vai ali, João vai acolá – e era caladinho que dobrava a giga, todos os dias, para ganhar um pão de milho mal cozido. Prefiro, por isso, juntar papéis na cidade».
Nenhum falou de política, nem de eleições, nem de governantes. Vieram apenas colar-se ao Evangelho que eu tinha acabado de ler: «Onde havemos de comprar pão para eles comerem?» Não deve haver nenhuma Constituição ou código que não diga que o homem tem direito ao pão. Só que o desemprego calculado, a recessão como projecto e a fome escondida como dever patriótico, permitem o maior lixo da cidade dos homens, que é haver gente sem pão.
Pe. António Rego