
III – Domingo da Páscoa
03-05-2025
XXIX Peregrinação Nacional de Acólitos a Fátima 2025
03-05-2025A liturgia de hoje fala-nos de pesca e de pescadores, da necessidade de lançar as redes para a direita e para a esquerda, como também da necessidade de comer para retemperar as forças, oportunidade tantas vezes aproveitada para a partilha sobre os pesqueiros, o tipo de redes para apanhar peixe e as peripécias que isto acarreta.
Lembro-me dos meus tempos de criança e jovem, quando, ao cair da noite, via os barcos um atrás de outro, a abandonarem a terra e a entrarem mar dentro, não sem que levassem uma cesta com a ceia para o intervalo da faina.
Vem-me ao espírito que, há cerca de 56 anos, nas praias quentes do litoral alentejano, homens corpulentos, tisnados pelo sol, vermelhos como vermelha era a “pinga” que os regava depois do almoço, reconfortando-lhes as forças e fazendo-os cantar ao desafio para meu encanto e admiração. Tinham trabalhado duro. Agora precisavam de comer e de beber. À noite, de madrugada, lá voltariam para a tarefa de lançar as redes.
Lembro outros pescadores, em tarefa não menos difícil e ingrata como era e o será sempre pescar homens.
Deixo para vossa memória o caso do Padre Américo, o grande apóstolo do Barredo – no Porto. Falar do Barredo, hoje, é falar de um destino turístico, de grande futuro, e já hoje com muito interesse. Mas, há mais de 50 anos, recordo-me de ter ido 1á visitar pobres e doentes, encontrando, nomeadamente, numa enxovia uma senhora paralítica. Várias vezes tive de sair a porta para respirar porque não aguentava a pestilência. A esta miséria juntavam-se outras da mais variada espécie.
Por lá andava o Padre Américo, embrulhado na sua capa, a que muitos velhos e novos se agarravam, para saírem daquele antro de degradação humana e pestilência social, um verdadeiro mundo à parte, desprezado pela cidade. Sabeis onde é que este homem encontrava a força, a sabedoria, a luz que o levava a descobrir essas pessoas que viviam não em casas mas em verdadeiras espeluncas? Era a sua fé, o estar normalmente encostado à ombreira da porta da capela, onde certamente, falava ao Senhor da pesca que tinha para fazer, muitas vezes em voz alta, e de uma forma desconcertante para quem assim o surpreendia. Dos mais velhos, todos sabem quem foi o Padre Américo, o que fez, e o que mais teria feito se não tivesse partido tão cedo deste mundo, onde deixou tantos órfãos.
Recordo-me de outros “pescadores”, como D. Hélder da Câmara com os seus olhos bugalhudos, verdadeiros faróis, iluminando a noite dos pobres e maltratados do seu tempo. A sua palavra serena, pausada, com recorte, saindo do seu corpo franzino, atraía quem estava farto do palavreado, quem sonhava com a humanização do mundo e acreditava no poder libertador do Evangelho. Junto-lhe outros como D. Óscar Romero, Teresa de Calcutá, S. João Paulo II. Lembram-se o que este fazia antes de se dirigir as multidões? Alheando-se do ruido das aclamações, procurava a voz de Quem lhe indicaria as palavras e os gestos que devia usar, como anzol para a pesca.
Esta sua atitude, mais uma vez nos lembra que a voz que vem da outra margem da vida é que dá sucesso à obra e à missão da Igreja, na qual todos têm de ser pescadores para que neste mundo haja mais saúde, que é sinal de salvação, de liberdade interior e que para isso deve ser aproveitada como entrega, como doação para pudermos dizer ao Mestre: “Podes contar comigo. Tu sabes que Te amo.”