
V – Domingo da Quaresma
06-04-2025A Quaresma está a caminhar para o seu fim. Para além de algumas práticas penitenciais, este tempo é dominado pela referência ao pecado, pelo apelo à conversão e ao reconhecimento do pecado. Embora seja assim, hoje, fala-se pouco do pecado. Mais ainda, para muitas pessoas, falar do pecado constitui um sinal de atraso, uma linguagem mais que ultrapassada. Alguns até a considerarão desajustada, ora, porque capaz de criar complexos, ora, e sobretudo, porque hoje não há pecados (chegou-se ao tempo do homem puro!…).
Não é de admirar que tal aconteça, porque não há consciência de Deus e do seu projecto a nosso respeito. Como se pode ter a noção de sombra se não se fez a experiência da luz?!…
Nesta sociedade, que é a nossa, onde o homem vive à margem de Deus, e igualmente desinteressado em afinar a sua consciência pela palavra de Deus, como admitir que os pecados sejam reconhecidos como tais? Trata-se de uma situação semelhante à de um disjuntor inadequado para detectar um curto-circuito e por isso incapaz de evitar um incêndio. Vede as consequências da falta de formação, que a maior parte dos pais permite aos seus filhos…
Se existirem, os confessionários estão cheios de teias de aranha. Apesar disso, há quem procure um padre para se confessar e assim pôr a sua vida em Deus. É certo que, de uma forma geral, em vez de irem ter com um padre, as pessoas recorrem ao psicólogo, ao psiquiatra. Mas também há quem diga “Não quero confessar-me ao médico. Quero receber a paz de Deus para que me dê o perdão, uma vida nova, que o médico nunca poderá dar.”
Há sempre uma certa relutância em expormos a nossa vida íntima a um padre, pecador como todos os homens. É natural, até porque é humilhante sermos obrigados a reparar e a expor os nossos “podres”. Mas também é verdade, que desta forma o padre poderá compreender melhor os nossos problemas, as nossas dificuldades, a nossa miséria. E importa lembrar que não é pela sua virtude, pela sua santidade que perdoa, mas porque simples (bom ou mau) instrumento que Jesus escolhe para agir em seu nome e em nome da Igreja.
Esta timidez, este acanhamento em pedir perdão pode também significar que a pessoa julga que o perdão é um favor dado por alguém, que lhe é superior. Ora, o perdão não é um favor, mas um acto de amor. Quando nos perdoa, Deus faz aquilo que mais gosta, que é dar vida e fazer com que ela aconteça em plenitude.
Quando perdoa Deus dá-nos a possibilidade de escolher o nosso bem e o bem dos outros. Por isso, como será de admitir que um cristão não aproveite o perdão de Deus? Como admitir que nós, os padres, fugindo do confessionário, o ocultem, travem o seu exercício e assim privem as pessoas de obter a justiça de Deus, que consiste em torná-las mais justas, mais próximas dEle?
Por fim, gostaria de lembrar que a desvalorização do sacramento do perdão poderá ser uma consequência de não termos nada a pagar, de não termos de fazer algo de penoso para alcançá-lo. Para obtê-lo não precisamos de pagar nada, não precisamos de méritos, de apresentar pontos… o perdão não é fruto do nosso trabalho, dos nossos méritos, mas gratuito. Por isso, há quem possa pensar e dizer: “Que Deus perdoa sempre. Não custa nada. Vou ter com um padre e já está.”
Se acontece esta gratuitidade do perdão de Deus em nosso favor, também deve acontecer o mesmo na nossa relação com os outros. A eles devemos fazer o que o Senhor nos faz. Infelizmente, não é isto o que acontece. Muitas vezes, queremos ser perdoados, mas temos dificuldade em sermos perdoadores.
Por outro lado, se a gratuitidade do perdão de Deus nos oferece uma alegria sem limites, isso deve constituir-se em mais um aliciante para cumprirmos a penitência, para fortalecermos o nosso desejo de conversão, para repararmos na sabedoria da Igreja que, se ontem exigia a reparação antes do perdão, agora, depois da confissão nos dá o perdão de Deus, esperando que façamos dele um alimento e mais uma razão para a nossa conversão. “Deus não quer que o pecador morra mas que se arrependa e viva.”