
XXVII – Domingo do Tempo Comum
04-10-2025
Vitae Informação – Edição 166
04-10-2025Vivemos numa sociedade marcada por uma verdadeira teia de interesses. É nas prendas, é nos favores que se fazem no mundo do trabalho, é na vida das comunidades cristãs…quem dá espera receber.
Como todos os dias se verifica, por detrás de atitudes, que aparentam ser muito meritórias, há toda uma mentalidade de quem “não dá linha sem nó”. Um gesto de generosidade, de doação, sem “cobrar isto ou aquilo” até se torna escandaloso. “Então não está à espera de nada em troca?”. De quem assim procede é caso para desconfiar. Agir desta forma interesseirista é desconhecer o amor, porque quando ele existe marca os gestos e atitudes pela gratuitidade, bastando à pessoa a alegria de ter sido útil.
Quero partilhar convosco este texto do Sr. Bispo de Lamego, D. António Couto: “Falo do umbral do outono, de uma praça carregada de metáforas. Moro aqui debaixo deste céu. Claro que durmo ao relento. Sou pobre e puro. Pedinte apenas à porta do espírito. Como os plátanos no púlpito das praças, abrigo os pássaros. Atiram-me pedras os meninos. O meu lugar é aqui, de bruços nas palavras, pedra a pedra construindo o pátio do poema. É assim que hoje enfrento, em estilo diferente, mas de frente, os dizeres deste Domingo XXVII do Tempo Comum.
Oiço bater a porta. Serás tu ainda? Que fruto trazes nas tuas mãos despidas? Um balde? O mar? O mar num balde? As rochas a estalar? O lume a arder em febre? Uma estrela cadente envolta em neblina?
Trazes a história de uma semente pequenina, microscópica. Dizes, para espanto meu, que, lançada à terra, dela nascerá uma árvore grande, em cujos ramos vêm abrigar-se os pássaros do céu, fazendo dela uma lareira carregada de alegria. E dizes, outra vez para espanto meu, que a FÉ tem o tamanho e o virtuosismo dessa semente pequenina, que semeada no meu coração e no coração do mundo pode desenraizar o que nos parece seguro, sólido, assegurado, fazer ruir os nossos cálculos mais estudados, fazer florir o alcatrão das nossas estradas, fazer sorrir a nossa história desgraçada, arrancar embondeiros, plantar no mar aquilo que parece só poder viver na terra.
Acrescentas logo, sempre para espanto meu, que uma vida de serviço e da máxima simplicidade é a melhor. E que é também a melhor pregação, uma vez que, como nos ensinou o beato Paulo VI, na sua Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, nº41, «O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, ou então, se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas». Servir por amor. Sem tempo nem contrato. Sem cláusulas. Doação total. Dar a vida como tu, Senhor e Servo. Não se trata de dizer que sou um servo inútil, se o serviço que prestei ao meu Senhor foi útil. Trata-se simplesmente de dizer que sou apenas um servo, e que tudo me vem da liberalidade do meu Senhor. A fé é esse vínculo ao meu Senhor e ao meu irmão.
Para me dizeres tanto, foste buscar metáforas ao campo: a semente, as árvores e o servo (Lc 17,5-10). E, uma vez no campo, levas-me a visitar o jardim de Habacuc (1,2-3;2,2-4). Poucos saberão, mas Habacuc é o nome de uma planta de jardim. Está de passagem. De manhã viceja, à tarde seca. É preciso ir depressa. Até porque Habacuc ainda tem de ir à cidade e escrever num grande painel publicitário que «o não-reto perecerá, mas o justo viverá pela FÉ» (2,4).”