
XXVIII – Domingo do Tempo Comum
11-10-2025Não sei porquê, mas a figura deste leproso, que depois de curado foi o único de dez que voltou atrás para agradecer a Jesus, fez-me lembrar o que há cerca de quarenta anos se passou na manhã do dia da consoada, dia das prendas e das mesas abundantes.
Tocou a campainha da porta. Era um homem ainda jovem e de raça negra. Queria falar comigo. Num português fluente, de trato afável, humilde e cheio de frio, identificou-se como sendo refugiado político de Angola. Já não me recordo de outros pormenores que me referiu, das dificuldades que estava a viver.
Por minha parte, ao deparar-me perante aquele drama humano, a minha sensibilidade ficou seriamente atingida. A conversa continuou, a ponto de me dizer que tinha uma irmã em Madrid. Admitindo que para além da alegria de se reencontrarem no dia de Natal, a sorte daquele homem pudesse mudar com a ajuda da irmã, perguntei-lhe: “O senhor quer ir para lá?” Foi o mesmo que perguntar ao cego se queria ver. Quando disse que lhe pagava o bilhete o homem, caiu aos meus pés, de joelhos, e com as lágrimas a caírem dos seus olhos rajados de sangue “não sei porquê”. Começou a apertar-me as mãos e a beijá-las, repetindo indefinidamente: “obrigado, obrigado”. E partiu, olhando para trás, sucessivamente.
De facto, e particularmente, quem está mal, quem se sente na mó de baixo, por princípio, tem a sensibilidade bastante para reconhecer o bem que recebe e agradecê-lo.
Mais ainda, ao analisar o significado da cura dos dez leprosos do evangelho de hoje, cheguei à conclusão que a saúde ou a presunção de estar bem, bem como a convicção de ser justo, de ser perfeito, leva as pessoas a afastarem-se umas das outras, a erguerem muros, a estabelecerem barreiras, a desprezarem oportunidades, e muito menos, a por elas dizerem obrigado. Os outros, os pobres, os leprosos, os doentes, os marginalizados, quando encontram quem lhes faz o bem, correm juntos e cada vez em maior número (eles são tantos…) à procura do gesto que lhes mude a vida.
Quando fui à India, uma das imagens mais marcantes foi o ver bandos de crianças descalças, com os pés encardidos, roupas rasgadas, caras de fome, angustiadas, rodeando, estendendo a mão a quem lhes parecesse ter mais que elas. Não resisti. E nem imaginais a quantidade de outras tantas que logo surgiram, não sei como…
Somos todos leprosos. Todos estamos atacados por aquilo que desfeia, mais ou menos, a nossa vida. Poucos são os que o reconhecem, e muito menos ainda, os que se juntam para pedir a cura. Menos ainda os que, reconhecendo os mimos com que Deus nos trata, sabem agradecer.
No domingo passado, dissemos que Deus não é um patrão que faça de nós escravos, nem tão pouco um contabilista que mantenha actualizado o livro com o nosso devido haver, com os nossos débitos e créditos. Deus é Pai que nos ama com amor gratuito.
Infelizmente, não falta quem venha à Igreja, apenas, para cumprir uma promessa, para fazer uma súplica ou comprar este ou aquele sacramento, como se fosse uma farmácia ou bolsa onde rentabilizamos os nossos haveres sociais.
Muito ao contrário, quem dera que a Igreja fosse a casa onde são acolhidos todos os leprosos, fazendo da Eucaristia um obrigado em écran gigante, uma festa do gratuito, um banquete abundante de partilha, onde todos são convidados, sem pagar um tostão.