
II – Domingo da Quaresma
15-03-2025
Concerto Oração com Alvorada – Grupo Musical Litúrgico
16-03-2025Todos sabemos que o contrário de transfigurado é desfigurado. E quando neste segundo domingo da quaresma sou convidado a reflectir sobre o que significa a transfiguração de Jesus, lembro-me de uma história segundo a qual, ao querer fazer um filme, um realizador andou a percorrer uma série de lugares, contactando jovens para o desempenho da figura de Jesus. Conseguiu descobrir um que desempenhou maravilhosamente esse papel.
Entontecido pela fama, inebriado pelo muito dinheiro que ganhou, esse jovem começou a beber, a entrar na vida do vício, cada vez mais degradante.
Passou-se o tempo, e o mesmo realizador quis fazer um outro filme, para o qual precisava de encontrar um homem que incarnasse o papel de Judas. Usou um processo idêntico, privilegiando os chamados “bass fond”, ambientes mais ou menos degradados e degradantes. Ninguém queria fazer esse papel. Até que um dia, passando por uma taberna, encontrou um homem com muito mau aspecto, cheio de rugas, tisnado pelo tabaco e agarrado a uma caneca de cerveja. Julgou que tinha o problema resolvido. Apresentou-lhe a sua proposta. O homem fixou-lhe os olhos e disse: “Não! Não conte comigo, porque há uns anos atrás, e a seu pedido, fui eu que interpretei a figura de Jesus.”
Julgo ainda ser viva uma rapariga que conhecia muito bem. Como qualquer pessoa, tinha os seus problemas. Mas era feliz. Solteira, tinha uma vida profissional desafogada. Passou-se algum tempo, e um dia, ao entrar em casa, encontrei na caixa do correio uma foto dela, uma “self”. Nela aparecia o seu rosto verdadeiramente desfigurado pelas rugas e banhado por lágrimas que lhe escorriam dos olhos, quais rios saídos do abismo. Escreveu por detrás: “Veja como sou infeliz”. Sim, pelo vício, pela vida fácil.
Não vou continuar descrevendo o que guardo na minha memória de tantos rostos marcados pelo trabalho, pela doença, pela amargura da desgraça, pela angústia, pela solidão, pelos desencantos da vida, rostos à espera da transfiguração, do brilho, do esplendor da ressurreição.
Recordo que, quando Jesus se transfigurou no monte Tabor, não o fez para ficar com o corpo brilhante, mas para nos mostrar a linha de horizonte a que chegaria a sua vida, como o primeiro de uma humanidade convidada a percorrer o seu caminho para chegar à meta. Jesus não se transfigurou para se dar a conhecer como o Transcendente, porque Filho de Deus, mas para ajudar os seus que estavam ou iriam estar sujeitos a muitos apertos, confusos com o anúncio da sua morte, com o destroço dos seus sonhos e atrapalhados com o medo da morte.
Poderemos dizer que, transfigurando-Se diante dos seus amigos mais íntimos, Jesus quis assim repartir com eles a novidade, a alegria que irradiava d´Ele. A transfiguração a que nos chama, a graça, o olhar de Deus e o seu amor por nós é um verdadeiro fogo que corre pelo sangue da nossa humanidade, que nada ou ninguém pode apagar, a não ser o nosso desinteresse e a nossa mediocridade.
Os que, desfigurados pelo pecado se dispõem a segui-lO, a percorrer o seu caminho até à Páscoa, ficam com um “plus” capaz de reverdecer as nossas vidas, as nossas ilusões e esperanças, contadas todas as vezes que conhecemos, que experimentamos a noite.