XXX – Domingo do Tempo Comum
26-10-2024Solenidade de Todos os Santos
01-11-2024Era eu criança quando a minha avó materna cegou, devido às cataratas. Por causa desta limitação, a que se juntavam outras, estava muito dependente. Se eu lhe servia para sub-repticiamente apanhar isto ou aquilo que lhe estava proibido comer, também era eu que ouvia coisas, que certamente não dizia a outros. Lembro-me de ela um dia me confessar: “ó meu menino, como é triste ser cego”. E desde aí, tenho uma certa sensibilidade para todas as pessoas atingidas por esta limitação.
Para mim, não ter isto ou aquilo, encontrar quem neste mundo esteja mutilado é triste, mas não ver as coisas lindas que Deus fez, não se deixar inebriar pela luz do sol, não ser capaz de apreciar a sinfonia das cores e dos tons, que o mundo tem, e poder orientar-se nele para onde quiser, é muito pior.
Mas, como todos sabem, a cegueira não é apenas física é também espiritual. Se a primeira me provoca compaixão, a segunda causa-me confusão e por vezes revolta. Começo por reconhecer que eu também sou cego. Todos nascemos cegos, e como tais, necessitados de abrir os olhos e deixando que, pouco a pouco, sejamos inundados pela luz. Eu o reconheço, e por isso, todos os dias, sinto a necessidade de me expor à luz, de caminhar à sua procura, de iluminar as zonas de sombra que preenchem o meu domínio.
Nem sempre é fácil buscar a luz e abrir-me a ela. Este esforço começa por perturbar os meus olhos. Depois, umas vezes, segue-se-lhe a sensação de alegria, da descoberta, outras vezes, o incómodo de ter de ir por outro caminho, de assumir outra postura. Abrir-se à vida, abrir-se à luz não é fácil.
Ver pessoas que parecem sentir-se felizes em manter-se na cegueira da ignorância não se deixando inebriar pela luz de novos conhecimentos, de novos mundos e meios para os alcançar, faz-me quebrar os braços e dizer: “Como é possível?” Mas pior é encontrar quem seja ignorante, a ponto de nem sequer conhecer uma linguagem comum ao seu interlocutor, querer convencer do contrário aquele que tem a missão de ajudar a ver. Mais ainda, encontrar quem seja interiormente desonesto, a ponto de arranjar argumentos para provar como infundado o que não quer como alicerce ou como falso o que reconhece como verdade constitui uma arrogância, uma presunção que nos leva a ter presente como é tão sábio ouvir dizer: “Não há pior cegueira do que estar cego e julgar ver”.
Por último, tenho de reconhecer que, devido à nossa cegueira, às doenças do olhar, temos a tendência para ver e dividir o mundo em bons e maus, desprezando os sinais e as manifestações de verdade, no quadrante onde nos situamos, na pauta onde temos as notas que fazem a nossa música. Desprezamos, anatematizamos todos os que não tenham inscrição na nossa pauta. Assim, o que é novo é perigo, o diferente é uma heresia, o estranho é um inimigo a abater. O evangelho de hoje convida-nos a abrir os olhos, a não excluir, mas a inserir no caminho de Jesus todos os que encontramos nas margens, mas querendo ver, encontrar a verdade, possuir o tesouro, que dá sentido à vida e une tudo o que a preenche. Por isso, “Jesus, Filho de David, tem compaixão de mim. Faz-me ver.”